quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

VESTIDO VERMELHO

   
Faz tempo que algo nele me chama atenção. Olhares silenciosos, sorrisos compactuados, em off. Algo entre o servir a mesa e o pagar a conta, sempre o mesmo pedido, nem sempre a mesma companhia. Um homem que vai e vem, soberano como o tigre e que por certo deixa rastros, rastros de mistério que a cada café, me instigava mais e mais. Sabia que ainda não era a hora, mas algo latente me dizia que mais cedo ou mais tarde desvendaria alguns de seus mistérios. Passa o tempo, fecham-se as portas, tudo desaparece, o homem, os mistérios, o aroma do café. A vida segue e tempos depois ele reaparece. Outro cenário, outro tipo de café, outro momento. Nos falamos casualmente por meses, ele continuava indo e vindo sem nenhuma regularidade. Mais vestígios, outros mistérios e uma tranquilidade envolvente que me sussurra no ouvido que o dia do por do sol sobre a ponte, está prestes a chegar, e eis que chega, sem alarde. O dia amanheceu cinzento, mas não importa, fez sol em nossas vontades e lá estávamos nós, sobre a ponte, na companhia do velho Bukowski, aquecidos pelo sabor de nossas palavras, aconchegados na plenitude do silêncio, poetando sobre a leveza do navio e contemplando o sol que ia se pondo devagar. Uma revoada de pássaros, mais silêncio e a noite cai. É hora de ir e vamos embora. O gosto que fica é o de quero mais, e nós dois queremos o gosto de nossos gostos e a leveza de nosso navio incandescente que navega tranquilo singrando o desconhecido.
Ao chegar em casa, me sinto em paz, e sorrindo não posso deixar de pensar: E ele, ainda nem conhece meu vestido vermelho.

Ana Mascarenhas - 18/08/10

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