segunda-feira, 30 de maio de 2011

OUTRO VIÉS



Quando vi
Estava ali
O mar
O barco
E ele
Me despi de todos os conceitos
Com os quais havia vivido até aquele momento
Senti vontade de viver a vida por esse outro viés que a situação sugeria
E naturalmente fui tirando peça por peça
Primeiro a ansiedade
Depois a posse
Logo após a exclusividade
A seguir o ciúme
Então o medo
E assim por diante
As coisas foram se desapegando de mim
Ou eu fui me desapegando das coisas
Não importa
Simplesmente fui deixando o barco andar
E ele andou
Navega até hoje
Singrando o mar de nossos corpos
E almas
Ecoando nas verdades nuas e cruas
Que naturalmente algumas vezes doem
Compreender as coisas não significa dizer que elas não doam
Às vezes doem e doem agudo
O mar está sempre lá
Porém algumas vezes o nevoeiro encobre o barco
E não o enxergo
Mas sei que ele está lá
Em momentos como esse
Doeu e eu chorei
Depois abstraí e percebi
Que meu sentimento é grande o bastante pra esperar que o nevoeiro passe
Ele passará e o barco por certo estará lá
A intensidade do que sinto é que me dá a força que preciso para compreender
Que meu sentimento é maior que meu medo, que minha solidão e que minha ansiedade de querer tê-lo o tempo todo
Aprendi a driblar essas coisas quando elas se interpõem no meu caminho
Quero ter capacidade de viver isso
Realmente acredito ser possível
Viver as coisas por esse outro viés
Não me perdi de mim mesma por isso
Nem deixei de ser eu por um momento sequer
Por que posso sentir as coisas do tamanho que sou
Compreendi que alguma dor faz parte do caminho
E que se não doesse nunca não seria verdadeiro
E mesmo quando tudo parece estar dolorido
Ferido
Machucado
Algo sopra em mim e faz com que a dor se vá
Faz com que o machucado cure
Faz com que a ferida cicatrize
Deixando em mim apenas a certeza
De que quero seguir tentando
Ser capaz
De ser feliz
Desse outro jeito


Ana Mascarenhas – 29/05/11




quinta-feira, 19 de maio de 2011

CONDUTA EFERVESCENTE





Agrada-me teu olho de bicho
Teu grito sufocado
Na penumbra
Tuas pernas que prendem as minhas
Teu riso solto pelas minhas coisas
Teus mistérios em meus pedaços
A acidez de teus cheiros
Tuas palavras secas
Teu olhar marejado e terno
Agrada-me tua ternura inconstante
Tua mão firme em mim
Teus mestres em minha casa
As taças sujas de vinho
Que deixam marcas sobre a mesa ao amanhecer
Teus vestígios falam a minha língua
Contam-me segredos
Cantam no meu ouvido
E depois vem morar nos meus olhos
Agrada-me quando me sabes
Esse teu gostar cheio de escracho
Teu emaranhado de surpresas
Tuas outras verves
Gosto das faíscas que chispam dos teus olhos
Quando algo te agrada
E do teu riso torto no canto da boca
Gosto de quando tua gargalhada ecoa
E de todas as tuas outras partes
Gosto de quando me dizes tua
Aqui ou em marte
Gosto que te toque a lua
E que te inquietes com as tempestades
Gosto de quem és
Por que quando me queres
Me queres quem sou
Com minhas águas
Minhas secas
Minha paz
E minhas tormentas
Também te quero quem és
Com tuas ausências
Tuas viagens
Tuas reticências
E todas as tuas coisas
Gosto da tua cor
Do teu corpo quente
E de tudo que de nós dois incandesce
Gosto de navegar colada ao teu corpo
Gosto dos baixos
Médios
Graves
Agudos
E altos que nossas almas entoam
Gosto das mordidas que podem doer no corpo
Porém espero nunca sentir a dor
Das dentadas silenciosas que dilaceram a alma
Gosto das tuas marcas que ficam em mim
E de depois tentar vê-las no espelho
Gosto de estar disponível
De ser permissiva
E de expor tudo isso
E não pretendo mudar minha conduta
Afinal
As velas estão acesas
O fogo estala
E tudo em nós apenas arrefece
E o cheiro de coisas arrefecendo
É um cheiro que me mantém
Com fome
E essa é uma fome que ternamente me agrada






Ana Mascarenhas – 19/05/2011


segunda-feira, 16 de maio de 2011

UM AQUÁRIO NA SALA VAZIA


Não quero que as coisas tornem-se previsíveis como peixes em aquários. As coisas previsíveis tendem a tornar-se enfadonhas e coisas enfadonhas não instigam ninguém. Nem a mim. Não quero dias certos, programas óbvios, sempre os mesmos turnos e as mesmas comidas. Não quero variar a companhia, prezo a companhia dele. Mas não quero perdê-lo para a mesmice. Talvez meu querer intenso esteja levando tudo ao caminho sem volta da rotina, ainda que seja uma rotina sem constância, vem sendo avassaladora como qualquer rotina. Está nos destruindo pelas beiradas, aos poucos e silenciosamente. Não me refiro ao silêncio pleno, mas ao silêncio carregado de significados duvidosos, silêncios provenientes de medos e inseguranças, que dão lugar a deduções e que podem tornar um simples esquecimento num monstro feroz. A rotina é imperceptível às vezes, vai se infiltrando e pode tornar previsível a mais inusitada das relações. Quando vemos não há mais nada ali. Nem alma, nem desejo, nem mar, nem rio, nem riso, nem nada. Só uma sala vazia, um querer solitário e os peixes no aquário, certamente cansados daquele navegar encarcerado. Estará nosso navegar encarcerando-se entre quatro paredes? Em filmes que não vemos, em vontades que se esvaem, ou em relógios nos quais antes não víamos o passar das horas e nos quais agora as horas não passam? Não, creio que ainda não. Porém é importante perceber que a rotina nos ronda, e que ela nos quer desesperadamente. Quer que nos rendamos, nos quer rastejando em desalento, nos quer fatigantes um do outro, quer nos ver abdicar do mar aberto no qual escolhemos navegar. Entretanto, em meu querer não há lugar para renúncias, nem para reveses. Há lugar para movimento, percepção, cautela, reviramento. Tudo para que as coisas não se deteriorem por conta da falta de cuidado. Venho enfrentando com valentia todos os monstros que me devoraram a lucidez por quase toda minha existência, pra agora deixar que os filhotes desses monstros grudem-se em minha razão e que por conta disso descolem-se de minha alma as levezas, as brisas e as ondas que mantém as surpresas, os desejos e as vontades enaltecidas e ancoradas em meu cais. Não quero desviar-me das coisas fecundas que se geraram em mim a partir deste querer. Sinto-me inteira neste navegar. Hoje quando algumas coisas me raspam, sou capaz de discernir o que é, de onde vem e o que é necessário pra transformar o que arde em algo que pode ser acalmado e tornar-se outra vez suave como o soprar da brisa. E é isso que faço agora. Neste momento, olho pra dentro de mim e percebo que não quero a previsibilidade encarcerada em minha vida. Não eu, não esta Ana que sou agora e que quero continuar sendo. Por isso digo sem medo. Em nosso querer, nada de aquário. Em nosso querer, apenas o mar.




Ana Mascarenhas – 16/05/2011

AS OUTRAS MULHERES DE MEU HOMEM


De vez em quando tenho vontade de saber
Como são as outras mulheres de meu homem
Mas não por uma mera curiosidade possessiva
Não para saber se são altas ou baixas
Magras ou gordas
Brancas ou negras
Se são mais ou menos bonitas
Se são mais velhas ou mais moças
Se suas bundas são estelares ou não
Se tem mais ou menos estrias do que eu
Ou por quantas horas fazem amor ou sexo sem parar
Não quero saber como se chamam, nem onde moram
Nem o número de seus telefones pra dizer a elas que ele é meu
Não
Até porque ele é meu sim
Mas também é de cada uma delas
E ao mesmo tempo não é de ninguém
Por certo ele escolheu a cada uma de nós
Justamente pelo fato
De que devemos ser completamente
Diferentes umas das outras
Não precisa de nenhuma
Mas quer a todas intensamente
Do seu jeito, gosta verdadeiramente de todas
Sinto-me grata pelo fato de nunca ter sido chamada de Elisa
Monica, Marisa ou Carla
Acho louvável que um homem de tantas mulheres não confunda seus nomes
Não confunde porque sabe exatamente quem é cada uma de nós
Nos escolheu por causa de nossas especificidades
Mas e nós, porque o escolhemos?
É isso que me faz vez ou outra querer saber
Como são as outras mulheres de meu homem
Por que temos algo em comum
Algo que
Une a todas nós
Um homem que é de todas
Mas que com cada uma de nós é um
O que faz com que tenhamos nos unido a ele?
São as mesmas razões que nos fazem querê-lo e aceitá-lo como é?
Queria saber se são felizes
E se tem algum refúgio para os momentos de ausência
Como se sentem quando percebem sua inquietude
E os cheiros de outras mulheres misturados ao dele?
Calam, esbravejam
Ou simplesmente aceitam
Com serenidade por saberem que as coisas são exatamente assim?
Perguntam a ele de onde vem e para onde vai?
Questionam onde e com quem estava na noite anterior?
Compreendem sem desalinhos quando ele simplesmente lhes diz não?
Percebem a importância do silêncio?
Deixam que ele lhes toque a alma ou basta que ele lhes toque o corpo?
Prezam a liberdade dele ou na verdade sentem vontade de prendê-lo?
Como reagem quando algo lhes raspa o peito trazendo a tona alguns medos e inseguranças? Choram, emudecem, quebram coisas ou escrevem?
Exercitam-se para agigantar-se diante desse modelo corajoso de relação?
Ou aceitam e depois adoecem de ciúme, possessividade, sensação de rejeição
Essas coisas todas que permeiam as relações “ditas normais”
Sinto-me tranqüila em saber que elas existem
E mesmo sem saber como e quem elas são
Sinto que o fato de termos algo em comum
De alguma forma
Faz com que eu as respeite
Afinal, sabem escolher
Tem bom gosto
São corajosas
Ousadas
São gigantes
E assim como eu
Não abrem mão do desafio de tê-lo
Nem esmorecem diante de tal desafio
E isso faz com que eu as admire
Somos, todas nós, sem dúvida, admiráveis
Lutamos com unhas e dentes por nosso homem
Cada uma com suas armas
Cada uma do seu jeito
Não sei ao certo quantas somos
E nem quantas seremos amanhã ou depois
Creio que isso não faz diferença
Desde que não queiram tirar o que me cabe
E que sigam respeitando
Os momentos em que ele é meu
Meu respeito continuará sendo recíproco
Enquanto isso, nós continuamos sendo incógnitas
Umas para as outras
Vamos nos cruzando pela rua sem saber quem é quem
Levando algumas vezes essas curiosidades em nossa razão
Por outras vezes, quando estamos com ele, por exemplo,
Nem nos lembramos da existência umas das outras
E é isso que significativamente importa
E enquanto continuar assim
Podem ter certeza de que
Por mim está tudo bem




Ana Mascarenhas – 16/05/2011




























terça-feira, 10 de maio de 2011

VERDADE OU MALÍCIA?

Não tenho a malícia em boa conta
E talvez por isso algumas coisas soem estranhas às vezes
Prefiro verdades nuas e cruas
Não aprendi a manha da dissimulação
E gosto disso
Gosto de ser quem sou
De ter escrúpulos
Gosto da sensação das coisas ditas
Não veladas
Creio que não sei ainda a medida
Pra não deixar que minha ética demasiada
Faça com que as pessoas passem por cima de mim
Preciso achar o equilíbrio pra que minha verdade não me traga dissabores
É, talvez seja melhor calar às vezes
Mas minha boca fala aquilo que penso
Quando vi já falei
E falo porque acredito naquilo que digo
Tenho aquilo como correto
E imagino que as outras pessoas
Queiram que se aja corretamente com elas
Nem sempre querem
Não é mais assim
Um dia foi
As pessoas me pareciam mais inteiras neste tempo
Tempos idos
Bons tempos
Tenho coisas arraigadas que são intransponíveis
Quanta ingenuidade
Não pode haver nada intransponível
Tudo é passível de mudança
Afinal todas as coisas não são impermanentes?
Não, nem todas
Meus valores não são
Nem meus sentimentos pelas pessoas que me são caras
Eu é que tenho que aprender a medida da malícia
Ou pras pessoas deveria ser natural certa intimidade com a ética?
Não me vejo como a dona da verdade
Nem sou prepotente a tal ponto de pensar que sempre tenho razão
Mas por onde andam as pessoas que prezam quem é verdadeiro?
Por que as palavras devem perder-se no vácuo?
Afinal, porque calar diante daquilo que quero dizer?
Devo então tornar-me hipócrita e me render ao silêncio?
Gosto de silêncios, mas não desse tipo. Gosto dos silêncios que são repletos de sensibilidade. Não gosto dos silêncios que são imbuídos pela falta de coragem
Seria frouxidão demais esse tipo de silêncio
As coisas não ditas podem se tornar vaporosas
E coisas vaporosas perdem-se pelo ar dos pensamentos
Ganhando dimensões que podem levar a deduções
E quando se deduz algo, os danos, podem ser maliciosamente irreparáveis.
Por isso me habita a tranqüilidade da verdade, pra que eu possa reparar os erros que cometo com minha veracidade desmedida, às vezes precipitada, mas sempre, sempre dita.


Ana Mascarenhas – 10/05/2011










O FANTASMA DA ÓPERA- EMÍLIO SANTIAGO
A sensibilidade na interpretação de Emílio Santiago é algo que transcende, cala e arrepia. Foi uma viagem e tanto, que trouxe paz ao meu entardecer. Apreciem sem moderação. Boa viagem a todos.




domingo, 8 de maio de 2011

IMPERMANÊNCIA





Cá estou eu
Mais uma vez
Diante da impermanência das coisas
Gosto do desafio das impermanências
Gosto que a moeda tenha dois lados
Gosto das entrelinhas
Muito embora algumas vezes
Não consiga decifrá-las
Gosto que elas existam
Mas nem sempre gosto de seus significados
Nada é estático, por certo
Mas a essência das coisas,
Dos sentimentos, das verdades, das clarezas, das liberdades,
Também é impermanente?
Não me parece que seja
Ontem eu estava lá
Hoje não estou mais
Amanhã não sei onde estarei
Mas aquilo que sinto, guardo comigo
Sem anseios ou ressalvas
Guardo lá, na essência
Falo de um elo de energia
De algo maior do que tudo
Algo que não se precisa ver ou tocar
Pra saber que está lá
Não falo de ter
Falo de ser, quando se está
E de algo sagrado quando não se está
Impermanência
É tudo aquilo que está do lado de fora
As coisas que estão dentro de mim
São minhas
E enquanto existirem
Serão sim, sagradas e eternas





Ana Mascarenhas – 08/05/2011

domingo, 1 de maio de 2011

MAIS UM OFÍCIO


A vida dá
E a vida tira
E quanto a isso, não há dúvida.
Porém quando todas as coisas levam a crer que a vida te tirou tudo
Ela dá outra vez e nem tudo está perdido.
Tenho pela palavra, pela poesia, pelo cantar
Uma grande paixão
Canto com o coração e a alma em plena sintonia
Cantar me mantém viva
Me acalenta
Me acalma
Me excita
Me põe em brasa pra vida
Quando canto, viajo de mim
Viajo com passagem só de ida
Canto a paz
As dores
As alegrias
Enfim, canto a vida.
Entretanto, infelizmente, ainda não consigo viver do meu cantar
E ainda assim, não desisto
Há de chegar o dia em que meu canto garanta minha sobrevivência.
Enquanto isso não acontece, preciso garantir o pão de cada dia
E neste momento em que parecia ter chegado ao fundo do poço
A vida brinda-me com outro ofício
Algo que também me agrada
Sinto-me a vontade no meio de panelas
Cebolas
Temperos e afins
Aquilo que sempre gostei de fazer em casa
Para os meus
Farei agora para aqueles que ainda não conheço
E me entregarei às panelas, da mesma forma que me entrego para o canto
Cozinhar também é arte
E o farei, com dedicação e vontade!
Vou virar cozinheira, com muito orgulho!
E cozinharei cantando
Pois é o ofício de cozinhar
Que neste momento colocará comida na minha mesa, para que minha voz possa seguir ecoando!
São meus dons se complementando!
Obrigada! E bom apetite!


Ana Mascarenhas – 01/05/2011